Não existe dia tranquilo no noticiário, seja ele sobre acontecimentos locais, nacionais ou internacionais. Sempre haverá temas complexos ou polêmicos no cardápio, como manifestações ou protestos espalhados pelo Brasil, violência pelas cidades e, mais recentemente, beijo gay em novela do horário nobre. E se as coisas estiverem mais ou menos sossegadas, uma novidade como os rolezinhos de jovens pelos shoppings sempre pode surgir para criar dúvidas e questionamentos sociais e de segurança. Tudo, é claro, acompanhado de imagens impactantes.
Diante de tanta informação técnica e visual, até que ponto os pais devem se preocupar com o que os filhos veem ou leem? E a partir de quando podem começar a liberar o acesso das crianças ao noticiário? “As pequenas devem ser preservadas ao máximo, especialmente dos jornais televisivos de perfil mais violento, porque não têm parâmetros e ferramentas para compreender e absorver tudo isso”, diz a pedagoga Elizabete Duarte, coordenadora do Colégio Nossa Senhora do Morumbi.
Ela indica a proximidade da pré-adolescência como uma boa época para permitir que as notícias façam parte do dia a dia dos filhos: “Por volta dos nove ou dez anos de idade é que eles já têm alguma vivência e podem entender uma explicação dos pais sobre os assuntos. É uma idade boa até porque em poucos anos esses indivíduos serão adultos, cidadãos com autonomia que poderão ver e viver o que quiserem”.
Mesmo com essa bagagem inicial, é importante não deixar a criança e o pré-adolescente desacompanhados durante os noticiários. “Eles não têm capacidade de entender tudo sozinhos e podem se assustar com reportagens de violência, assaltos e mortes. É bom haver adultos responsáveis por perto para explicar que sim, isso acontece, mas eles estão amparados pela família”, explica Karin Kenzler, psicóloga escolar do Colégio Humboldt.
E se escapar?
Por mais atenciosos que sejam os pais ou os responsáveis, é impossível controlar o tempo todo tudo a que a criança tem acesso – seja na TV, na internet, em um jornal ou em uma revista –, e ela pode acabar vendo, sozinha, notícias para as quais não esteja preparada. Consequentemente, surgirão perguntas sobre o que foi visto ou lido. O que fazer em uma situação dessa?
“Os adultos devem traduzir aquilo para uma linguagem que a criança entenda. Não precisa ser infantilizado no linguajar, mas falar no nível de compreensão dela. Meu conselho é: não minta e responda exatamente o que ela perguntar. Se ela continuar com dúvida, vai continuar perguntando. Se parar, é porque a resposta foi suficiente”, orienta Juliana Ferrara, também psicóloga escolar do Colégio Humboldt. Elizabete concorda: “Não vá além. Satisfaça as questões que aparecerem e pronto”.
Aconteceu na casa de Vanessa Del Bel. Mãe de Breno, de 10 anos, a psicóloga notou, alguns anos atrás, que o menino de repente ficou com medo de viajar de carro. “No começo ele não explicava o que estava acontecendo, e fiquei preocupada, naturalmente. Levou um tempo até ele revelar que tinha receio porque aconteciam muitas tragédias nas estradas. Comecei a investigar de onde tinha vindo aquilo e descobri que a funcionária de casa assistia a esses jornais violentos no final da tarde, e ele acabava vendo também, sem que eu estivesse junto para impedir ou acalmá-lo”, conta.
A solução foi conversar muito. “Até hoje ele ainda tem um medinho, mas passou aquele pânico. Claro que eu preferiria que isso não tivesse acontecido, mas não dá para esconder o mundo do filho, fingir que nada está acontecendo. Se ele não aprender em casa, onde vai aprender?”, questiona.
Instrumento de educação
Com os devidos cuidados tomados, o noticiário pode ser aproveitado como um auxílio para a educação. “Uma notícia pode deixar pais e filhos mais à vontade para falar sobre um assunto, seja ele política ou sexo. Uma reportagem sobre a cracolândia [região do centro de São Paulo em que dependentes de crack vivem improvisadamente e consomem a droga], por exemplo, é uma boa oportunidade para conversar sobre drogas sem que o filho se sinta pressionado ou acusado, principalmente se ele já for adolescente”, afirma Karin.
Vanessa aproveita toda brecha nesse sentido. “Espero o Breno manifestar interesse, mas às vezes não resisto e puxo assunto sobre algo em que ele esteja prestando muita atenção. Assim já percebi que ele fica triste com as guerras, por exemplo. Mais de uma vez ele falou para mim: ‘Mãe, por que as pessoas não dialogam? Guerra não é o melhor jeito de resolver um problema!’. Se não fossem as notícias, não sei se ele falaria isso desse jeito”, pondera.
“Explicar uma notícia para uma criança estimula o pensar, o desenvolvimento da cidadania e da visão sobre as diferenças do mundo”, defende Elizabete. Mas nada de tentar forçar seu filho a acompanhar o noticiário para conquistar esse progresso na marra, como destaca Juliana: “Isso vai se manifestando de acordo com o amadurecimento de cada um. Colocar uma criança para assistir ao jornal da noite não vai garantir que ela tenha interesse por aquilo que está sendo mostrado”.
A mudança da adolescência em diante
Com a chegada da adolescência, os filhos tendem a abordar as notícias com os pais mais no sentido de debater do que de pedir explicações, e os adultos têm que acompanhar essa mudança.
“Não existe uma idade limite. Enquanto eles trouxerem questionamentos, devem receber respostas”, diz Elizabete. “Mas chega um momento em que eles vêm com opiniões, visões. Os adolescentes têm muito mais interesse pelo noticiário, as ideias deles afloram. A conversa fica revigorada e mais profunda. São diálogos mais complexos e que valem muito a pena”, finaliza.
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